quinta-feira, 3 de julho de 2014

Duplo domínio

Em uma das melhores aulas que tive na Faculdade de Letras, um professor de Literatura Brasileira disse que o discurso literário é o mais completo e o mais complexo se comparado a qualquer outro, pois congrega consciência racional e experiencial emocional, diferentemente dos discursos científicos ou filosóficos, por exemplo, que se restringem à lógica e à razão. E confesso que, depois de ter me dado conta disso, estudar Literatura ficou ainda mais apaixonante.

A verdade é que fomos habituados a entender que o texto mais próximo do real é aquele que preza pela racionalidade da escrita e não permite doses de subjetivismo, de modo que, na escola, precisamos redigir textos geralmente na terceira pessoa, circunstância que é mantida na criação de monografias, dissertações e teses. No entanto, essa predileção pela razão afasta-se da realidade justamente por contemplar somente um lado da condição humana, colocando num plano inferior ou simplesmente descartando as experiências individuais de cada um e, consequentemente, suas perspectivas emocionais. Conceber o homem como puramente racional ou, do mesmo modo, como exclusivamente emocional é rejeitar uma de suas partes e, portanto, distanciar-se da realidade que diz respeito à reunião desses dois pólos.

Pois bem. Foi justamente em torno de tais opostos que giraram as discussões da semana, evidência máxima de que o futebol, assim como o discurso literário, também abarca o duplo domínio da vida humana. Mas isso é posterior ao jogo. Assistir à partida que levaria o escrete às quartas de final não foi fácil.  

Depois de noventa minutos que só permitiram um gol pro Brasil e outro pro Chile, com um gol de Hulk anulado por ter dominado a bola com o braço, os trinta minutos de acréscimo vieram e, no segundo tempo, Pinilla chutou a bola no travessão. Um alívio para os apreensivos brasileiros e uma tatuagem para o chileno. Nosso sofrimento, que parecia interminável nesses cento e vinte minutos, teve de se arrastar aos pênaltis. Neymar, que passou praticamente o jogo todo com dores na perna devido a um choque, foi escalado por Felipão pra ser o primeiro a bater, mas, diante dos fatos, bateu o último pênalti. Foi decisivo, assim como Julio Cesar, que, para a surpresa de seus tantos críticos, fez ótimas defesas. Thiago Silva desesperou-se ao ver que a disputa iria para os pênaltis e preferiu rezar, completamente frágil e emocionado. O capitão não chutou na hora de definir o placar. 

Bastou o feito para as opiniões dos torcedores serem divididas: de um lado, os defensores de uma integridade racional; de outro, os que exaltam a virtude emotiva. Concordo, decerto, que a atitude do capitão de um time seja assumir a responsabilidade e encarar a liderança do jogo. A consciência racional faria com que Thiago Silva batesse o pênalti. Mas que somos nós diante dos grandes instantes da vida? Ainda não estamos habituados com a fragilidade porque fomos adestrados aos extremos da racionalidade, mesmo que seja preciso lançar mão do fingimento para lidar com eles. A experiência emocional também tem voz. A gente é que acha que ela deve sempre fazer silêncio.

No mais, o que desejo é que essa voz transforme o choro em uma força que impulsiona e capacita. Jogaremos contra a melhor seleção da Copa, enfrentaremos James Rodríguez, que anda sendo ovacionado como se já fosse o maior craque dos últimos tempos, e teremos de torcer muito pela marcação correta de Cuadrado, o jogador colombiano que, a meu ver, oferece mais perigos do que o até então artilheiro do Mundial. Diante da pulsação apavorada de um coração que não se acalma, eu duvido muito que consigamos silenciar nossa emoção.

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