Da minha janela vejo os morros distantes, mas não tão distantes que possam silenciar o som dos tiros que por vezes existem. De Quintino localizo a Serrinha. E o que vem à mente é a quadra do Império Serrano com baldes de cerveja, pessoas circulando, cantando e conversando, o calor humano provocado pela quantidade de gente. Faz tempo que não vou ao Império. Vai demorar pra eu pisar numa quadra.
Da janela vejo a rua mais vazia, mas também o bar aberto com algumas pessoas conversando, como se o mundo não estivesse ruindo. O sol não deixa de surgir, mas é difícil aproveitá-lo. Não se pode vestir o short jeans, a blusa, nem colocar o brinco e o batom, calçar o chinelo e virar a chave para pegar o elevador até a portaria. A rua não me espera, sossegada. Algumas motos passam pela Suburbana (a gente não fala Dom Hélder Câmara), uma sirene inquieta para por perto, as janelas do prédio da frente parecem mais cheias. O ventilador ligado, o filme preferido do meu pai na televisão, o bordado da minha vó, o descanso aflito da minha mãe, tudo isso passa pelos meus olhos e eu agradeço por estarmos juntos, ainda que com medo, ainda que acordando assustada, ainda que sentindo os efeitos físicos e mentais de todo esse longo processo. Pessoas próximas a mim ainda precisam trabalhar, outras ainda não tiveram uma noção mais real da gravidade, e talvez a nossa agonia maior seja não ter controle sobre quem amamos, como sempre na vida. Mas sobretudo agora.
Tenho minha fé e minhas crenças, todas baseadas nas minhas próprias experiências, em tudo que já senti e sinto. Em outras janelas existe gente angustiada também. Lá no morro, onde a vista não alcança o detalhe, o amor dói no peito, a vida aflige, o medo faz a reza. Um atabaque, agora em silêncio, pode ser ouvido quando fechamos os olhos. Da janela sinto medo, vejo de perto o que não posso abraçar. Há mesas e cadeiras sozinhas nas calçadas, um vazio nos ônibus. Quando ouço a música que há dias está na minha cabeça, penso nas palhas que cobrem o rosto. Um conforto na sabedoria. Olho pra cima, as nuvens continuam andando sem pressa, despreocupadas. Fecho a janela e volto pra viagem à roda do meu quarto. Mais tarde vou tentar ler um livro.

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