Machado de Assis não deixava de tratar, em suas crônicas, da importância do voto. Em 1876, disse que “70% de cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha — por divertimento. A Constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado”. Em outra crônica, de 1892, insiste no tema, estimulando o povo a votar: “não me faças ir adiante, leitor amado. Adeus, vai votar. Escolhe a tua intendência e ficarás com o direito de gritar contra ela”.
Hoje, dois séculos depois, ainda há quem vote por divertimento, sem saber por que nem o quê. São analisadas as musiquinhas, as carreatas com bandeiras e sorrisos forçados, o amigo e o familiar que se candidata a vereador e um sem número de motivos responsáveis pela permanente desmotivação política. A coisa é tão estranha que criticam a utopia sem recordar Eduardo Galeano reproduzindo o que seu amigo Fernando Birri, diretor argentino de cinema, falou em uma palestra: “a utopia está no horizonte. Sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos, ela se afasta dez passos. Quanto mais eu buscá-la, menos eu a encontrarei porque ela vai se afastando à medida que eu me aproximo. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Para que serve? Pois a utopia serve para isso: para caminhar”. Negligenciam a utopia, portanto, como se ela interrompesse um caminho, quando, em verdade, é ela que nos encoraja a prosseguir.
Ontem, por exemplo, andando pela Tijuca, dei de cara com um rapaz que me sorriu e disse “Freixo prefeito”. Nos identificamos pelos adesivos. A poucos metros, ele me mostrou, estava a candidata que ganhará meu voto hoje. Fui até ela pegar material, batemos um rápido papo, uma foto registrou o encontro e ela me disse “vamos juntas!”. Se não é, já não tô nem aqui. Gonzaguinha frequentemente reforça em mim que “a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”. Pisando firme nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos, sei que elas se cruzam se estivermos de mãos dadas. E é por querer um Rio de Janeiro feito pelo afeto e pelo cuidado que não posso conceber, dentre tantos outros fatores, a continuidade do PMDB.
Um fato curioso é ver tanta gente sem conhecer os vereadores e não saber quem deseja eleger, muitas vezes por não querer eleger ninguém, enquanto pintam tantos nomes dignos de constituir a Câmara. Eu mesma, se pudesse, votaria umas cinco vezes. A opção de não querer eleger ninguém acaba permitindo que seja eleito aquele que representa o nosso avesso, munido de toda nossa discordância e repugnância. É por isso que Machado já dizia lá no século dezenove, a respeito do eleitorado que ficou em casa em dia de eleição e apenas uma pequena minoria foi às urnas: “Variam os comentários. Uns querem ver nisto indiferença pública, outros descrença, outros abstenção. No que todos estão de acordo é que é um mal, e grande mal”.
Quebremos o grande mal. Vou votar hoje à tarde porque, como o Chico, tenho muito sono de manhã. Horas depois de digitar 50 pra prefeito e 50777 pra vereadora, o único destino é a Lapa, onde mora a alegria. Vou à Lapa porque, também como o Chico, fecho com Marcelo Freixo e Marielle Franco, que estarão nos Arcos. Mudar é possível. E que venha um segundo turno construído na rua, na rede, na raça.

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