domingo, 3 de julho de 2016

Do mal será queimada a semente

Ouvi Nelson Cavaquinho na voz de Clara Nunes cantando “a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente” quando, em menos de uma semana, Bolsonaro se tornou réu no Supremo Tribunal Federal por fazer apologia ao estupro e recebeu processo do Conselho de Ética por exaltar a tortura.

Num episódio em que afirmou que só não estupraria a ex-ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário porque ela não merecia, o deputado mostrou — como já fez em tantos outros casos — sua ausência de valores e consequentemente sua incapacidade de usar a política como instrumento de luta por direitos. Bolsonaro também acabou sendo acusado por injúria, com queixa acolhida pelo STF.

Até que é bem coerente para os arautos da meritocracia que o congressista — aclamado por muitos como o presidente de 2018 — seja merecidamente acusado e julgado pelos crimes que comete e pelos absurdos que proclama.

Mas a voz de Clara Nunes se calou no instante em que li que uma faxineira foi demitida por ser mãe solteira. Afinal, como já vi compartilharem por aí nas redes sociais, “feio não é ser mãe solteira, feio é ser pai quando convém”. E é inacreditável que mesmo as mulheres, que precisam de disposição pra encarar todo dia o machismo, usem um discurso tão cheio de preconceito como justificativa pra demissão; como justificativa pra qualquer coisa, na verdade. Ao que tudo indica, a maldade ainda está longe de desaparecer.

Mais um exemplo disso é o espacamento de Luíza Brunet pelo ex-namorado, que a agrediu a ponto de quebrar quatro costelas da atriz. A coragem de denunciá-lo, por sua vez, faz a gente continuar querendo ter olhos pra ver a dignidade aparecer. Porque é muito fácil assumir a postura covarde e vergonhosa de agredir uma mulher e depois tratar a denúncia do crime como “versão distorcida”.

E isso fica ainda mais fácil quando se tem uma imprensa que atenua o caso; quando se tem uma delegacia que prefere não se meter muito em “briga de casal”; ou quando se tem um cidadão que pergunta o que a mulher fez para ter sido agredida.

Legitimar o estupro, o preconceito com a mãe solteira e a agressão à mulher é optar pelo lado mais perverso na história do bem e do mal. Para que a esperança da música Juízo Final não nos deixe, é preciso permanecer com a tentativa de queimar a semente do machismo que mata diariamente.

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