Em 1982, a Unidos da Tijuca levou um mulato, jornalista e escritor para a Avenida. Reverenciando Lima Barreto, o samba que canta e encanta o enredo de Renato Lage sintetiza a vida de um grande brasileiro que, com uma história marcada por discriminação e humilhação, utilizou as letras como instrumento crítico para refletir sobre determinados aspectos sociais.
Por ser um observador atento da realidade, seus romances apresentam cenas e perspectivas que permitem aproximá-los do estilo das crônicas, com uma linguagem associada à informalidade e ao ritmo de escrita próprio desse gênero, o que significa, então, certo distanciamento do rebuscamento e da norma culta tão valorizados pelo Parnasianismo. A abordagem urbana e cotidiana de sua narrativa relaciona-se bastante, nesse sentido, com o cronista que foi Lima Barreto, preocupado em denunciar as posturas avessas a uma sociedade igualitária e, sobretudo, inclusiva.
Inserido numa época em que o Rio de Janeiro buscava a modernização inspirada no modelo parisiense e, consequentemente, a higienização que excluía e marginalizava os indivíduos pertencentes às camadas mais baixas, “o mestiço que nasceu nesta cidade” se opõe a essa medida de segregação, diferentemente de grande parte dos literatos e daqueles que representavam a elite brasileira. Para ele, a Literatura tinha a função social de estimular o ideal de fraternidade e de debochar dos fatores pífios que contribuíam para a desigualdade, não sendo possível, dessa maneira, compactuar com o alheamento das problemáticas de seu tempo.
É a partir de tal concepção que a produção literária de Lima Barreto também apresenta, muitas vezes, episódios de sua própria experiência como cidadão consciente e vítima do preconceito.
Tomando algumas de suas obras como exemplo, pode-se dizer que ele reflete sobre os limites do nacionalismo em Triste Fim de Policarpo Quaresma; expõe a ofensa do preconceito racial e de classe em Recordações do Escrivão Isaías Caminha e em Clara dos Anjos; registra o que passou num manicômio, quando se internou por alcoolismo, em Cemitérios dos Vivos; examina a farsa da Abolição e da República numa cidade em vias de modernização em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá; e analisa satiricamente o Brasil da época em Os Bruzundangas.
Além disso e das opiniões que também transmitia nos jornais, o cenário suburbano, a presença do botequim, a defesa de uma cidade multifacetada, a possibilidade de coexistência cultural em uma época cujo objetivo era padronizar um modo de vida por meio da exclusão de outros e a preocupação com a verdadeira identidade do Rio de Janeiro são aspectos que fazem com que o meu Brasil seja o mesmo Brasil de Lima Barreto. Rejeitado pelos acadêmicos mas homenageado pelo povo no Carnaval, tem e seguirá tendo suas ideias vivas, estas sempre contrariando as figuras que perpetuam o desejo de mascarar e esconder parte de nossa cultura.
Publicado originalmente no Ouro de Tolo.