O episódio desta crônica poderia ser qualquer um dos assuntos a que a semana assistiu: a lei inconstitucional sancionada pelo governador, a divisão partidária no apoio aos candidatos à presidência, a nova evidência de que a tal assinatura de 1888 livrou o escravo do açoite mas prendeu-o na miséria ou a declaração do prefeito, que, em época de Copa do Mundo, disse que o Rio não esconde suas pessoas mais pobres. Pereira Passos também devia pronunciar tais palavras.
Fato é que o grande evento deste ano, embora seja visto com olhos exclusivamente desfavoráveis por alguns, já chegou às nossas ruas e abarca em si mesmo a complexidade de acontecer num Brasil com problemáticas em demasia e, ao mesmo tempo, avanços e qualidades peculiares. Imersa nessa situação de contradições inexplicáveis, portanto, digo que a minha torcida pela Seleção que aí está é imensa, ainda que eu discorde da postura abusiva e desrespeitosa das instituições e autoridades ligadas ao futebol.
Não é exatamente sobre isso que tenho a intenção de discorrer, no entanto. As boas e produtivas discussões às vezes se tornam enfadonhas e o que importa para mim, no momento, é a voz de Dona Ivone Lara cantando "Sorriso de Criança". Saibam vocês que num desses incertos dias, depois de ver alguns ursos coloridos, cachorros passeando, bicicletas na calçada e a confusão cinzenta do mar e do céu, sentei-me de costas para o horizonte e fiquei frente à verticalidade urbana. De repente, surgiu um menininho miúdo, de uma beleza gigante; o pequeno mal sabia andar, mas sabia sorrir como ninguém. Desviou do caminho que naturalmente seguiria, parou à minha frente e, sem demonstrar interesse em nada, deu-me de presente um sorriso de criança. Ficou ali sorrindo, me deixou surpresa e meio sem jeito, e depois foi embora espalhando amor por onde ia.
O posterior engarrafamento, as pautas midiáticas e os demais fatos sem relevância ao longo da semana até me tiraram a imagem mais bonita daquela tarde, pois a correria carrega essa capacidade de vez ou outra nos arrancar a graça da vida. O que é bom, porém, acaba sendo guardado com a gente – é dessa maneira que a saudade acontece, afinal – e o menininho ficou eternizado para mim como personagem deste registro. Assim, as notícias semanais tornaram-se secundárias quando dei início à escrita do texto, porque tenho cá as minhas convicções de que é sempre preciso deparar-se com a leveza da humanidade neófita antes de analisar os acontecimentos de um mundo caduco. Era só isso o que eu queria lhes dizer.
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