sexta-feira, 27 de junho de 2014

Uma tensão intolerável

Ter ido a Copacabana durante a Copa ficou bem mais divertido depois que assisti à gravação dos "yellow blocs". Havia um samba argentino, uma embriaguez holandesa, uma comemoração mexicana, um grito chileno, uma confiança costarriquenha e, diante disso tudo, afirmo aos simpatizantes do vídeo que vale muito a pena correr o risco de tomar uma faca no baço. A única coisa que me incomodou no dia em que eu estava na praia carioca, aliás, foi ver a boa atuação do Ochoa, que deixou nossa Seleção no zero a zero.

Na última partida do Brasil, contra Camarões, peguei carona no samba do Originais e fui parar no Renascença, o doce refúgio que me foi apresentado por um professor de geografia em 2010 e que desde então frequento. A melhor roda do Rio de Janeiro, comandada por Moacyr Luz, tem um dom incrível de alegria. Vejam vocês que, como cantou Noel Rosa, ninguém aprende samba no colégio, mas, às vezes, pode ser ele que ensine a gente a ir ao samba. Coisas nossas.

Antes de o jogo começar, apostei que Fred faria um gol porque me distancio do clubismo que ataca mais do que critica e preenchi a agonia que antecede o apito do juiz com o pandeiro, o ganzá e o tamborim. Saudades da Guanabara. Ligação e recordação recordando essa cor de coração pra dizer, mais uma vez, que o meu peito é uma lona armada. Cerveja gelada, barulho de vuvuzela, silêncio e Hino Nacional (com emoção, Zico...) cantado. O placar de 4x1 pro Brasil rendeu abraço, vibração e mais cavaquinho. Chorei Élton Medeiros, sorri João Nogueira, cantei Candeia e sussurrei Cartola. Ele é a corda e eu sou a caçamba.

Mas vamos aos fatos futuros: enfrentaremos o incansável time de Sánchez e Vidal e eu recorro ao Nelson Rodrigues de 1962 pra dizer que "tudo no jogo de amanhã justifica uma tensão intolerável". Qualquer erro nosso será trágico e o mais ínfimo acerto adversário será uma lástima para os brasileiros de bom caráter. Porém, enquanto o sábado não chega, aproveitemos – embora não sem lamentar – este difícil dia sem Copa do Mundo, imersos na ansiedade do imprevisível futebol.

domingo, 15 de junho de 2014

Comboio de corda

A semana começou com um personagem-heterônimo que viajou a Lisboa depois de passar um tempo no Brasil. Disse-me ele que "sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo" e eu fiquei a pensar no significado de "contentar-se": de um lado, o conformismo e a aceitação; de outro, a alegria e a emoção. Fechei o livro que citava a morte de Fernando Pessoa e lembrei-me de seu nascimento em 13 de junho.

Um dia antes, neste ano, vesti-me de verde e amarelo e fui à rua assistir à estreia da Copa. O espetáculo do mundo começaria com gols brasileiros e nós, espectadores, ficaríamos contentes com a partida. Mas é bom frisar que eu me contentei de alegria e não de conformismo. O extremismo de quem vê todo torcedor como alienado está longe de conhecer o sentimento que transcende qualquer fato, tese ou argumento, pois esse extremismo, em vez de ver e reparar os acontecimentos de modo dialético, enxerga-os a partir da dicotomia.

Ora, o problema da dicotomia é que ela exclui obrigatoriamente uma das partes, como se a Copa só pudesse ser boa ou ruim, e eu, particularmente, fujo das certezas defensoras de uma verdade absoluta. O que está ocorrendo no Brasil é histórico e confesso a vocês que, por estar acompanhando todos os jogos, falta-me tempo para escrever. Por isso, meu humilde conselho é que façam o mesmo e aproveitem os grandes e pequenos sopros de vida que o esporte pode nos proporcionar.

Percebam, então, que o futebol abarca em si o inesperado e o surpreendente, calando a exatidão da racionalidade. Há os que desejam o mau êxito do time brasileiro porque creem que isso servirá como espelhamento de uma nação fracassada, assim como acreditam alguns que a vaia à presidenta dentro de um estádio seja uma manifestação produtiva e de extremo bom senso. Torcer contra a Seleção e contra o Brasil, para mim, é perder-se no vazio das coisas exatas e cortar a corda infinita deste comboio chamado coração, que, lúdico, manda às favas a calha de roda. Que seja nossa a vitória.

domingo, 8 de junho de 2014

Sorria mais, criança

O episódio desta crônica poderia ser qualquer um dos assuntos a que a semana assistiu: a lei inconstitucional sancionada pelo governador, a divisão partidária no apoio aos candidatos à presidência, a nova evidência de que a tal assinatura de 1888 livrou o escravo do açoite mas prendeu-o na miséria ou a declaração do prefeito, que, em época de Copa do Mundo, disse que o Rio não esconde suas pessoas mais pobres. Pereira Passos também devia pronunciar tais palavras.

Fato é que o grande evento deste ano, embora seja visto com olhos exclusivamente desfavoráveis por alguns, já chegou às nossas ruas e abarca em si mesmo a complexidade de acontecer num Brasil com problemáticas em demasia e, ao mesmo tempo, avanços e qualidades peculiares. Imersa nessa situação de contradições inexplicáveis, portanto, digo que a minha torcida pela Seleção que aí está é imensa, ainda que eu discorde da postura abusiva e desrespeitosa das instituições e autoridades ligadas ao futebol.

Não é exatamente sobre isso que tenho a intenção de discorrer, no entanto. As boas e produtivas discussões às vezes se tornam enfadonhas e o que importa para mim, no momento, é a voz de Dona Ivone Lara cantando "Sorriso de Criança". Saibam vocês que num desses incertos dias, depois de ver alguns ursos coloridos, cachorros passeando, bicicletas na calçada e a confusão cinzenta do mar e do céu, sentei-me de costas para o horizonte e fiquei frente à verticalidade urbana. De repente, surgiu um menininho miúdo, de uma beleza gigante; o pequeno mal sabia andar, mas sabia sorrir como ninguém. Desviou do caminho que naturalmente seguiria, parou à minha frente e, sem demonstrar interesse em nada, deu-me de presente um sorriso de criança. Ficou ali sorrindo, me deixou surpresa e meio sem jeito, e depois foi embora espalhando amor por onde ia.

O posterior engarrafamento, as pautas midiáticas e os demais fatos sem relevância ao longo da semana até me tiraram a imagem mais bonita daquela tarde, pois a correria carrega essa capacidade de vez ou outra nos arrancar a graça da vida. O que é bom, porém, acaba sendo guardado com a gente – é dessa maneira que a saudade acontece, afinal – e o menininho ficou eternizado para mim como personagem deste registro. Assim, as notícias semanais tornaram-se secundárias quando dei início à escrita do texto, porque tenho cá as minhas convicções de que é sempre preciso deparar-se com a leveza da humanidade neófita antes de analisar os acontecimentos de um mundo caduco. Era só isso o que eu queria lhes dizer.