segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A Vila e a rua

Foto: Diego Mendes/ Vila Isabel

Depois de pensar bastante nos motivos que fazem meu coração ser branco e azul, arrisco dizer que o que mais me comoveu na Vila Isabel não foi o momento de entrar na quadra pela primeira vez, mas o deslumbramento de estar com a escola na rua. Chegar à Vinte e Oito de Setembro em dia de ensaio, ou mesmo abrir a primeira cerveja do lado de fora da quadra em noite de disputa de samba, faz a gente se emocionar com o espaço, os componentes, os torcedores.

Os integrantes da bateria com seus instrumentos no meio da rua, o fluxo de carros substituído pelo de pessoas, os bares cheios horas antes de o carro de som ser ligado, as barracas de churrasquinho nas calçadas musicais, os acenos da vizinhança que vibra das janelas e das varandas, tudo isso fez parte do meu encanto pelo “povo do samba”. Naquele momento, eu percebi a relação peculiar da Vila com a rua, uma ligação que faz ainda mais sentido ao lembrarmos que, mesmo no ano de Kizomba, a escola ainda não tinha quadra e ensaiava a céu aberto.

O chão da Vila Isabel, que é forte, vem de muito tempo. E é ele que me remete ao trecho do samba de Moacyr Luz e Martinho: “Vila Isabel, meu Deus, como tu és de chorar de emoção…”. Foi em 2013 que chorei de emoção após acompanhar cada nota da apuração na quadra e ver ser declarada a vitória, com as bênçãos de Noel. Comemorar o campeonato de nossa escola por si só já é emocionante, mas fazer isso depois de ter presenciado o preparo, o empenho e a garra de uma comunidade nos projeta para uma dimensão incomparável, em que o mundo todo passa a caber nos versos “é o morro no asfalto duas vezes: uma pra ser campeão e a outra pra comemorar”.

Conheci a Vila de perto nos preparativos para o Carnaval de 2011. A partir daí, muitas vezes estive no aquecimento da bateria e fui atrás da Swingueira nos ensaios. A certeza da minha paixão por essa escola só crescia todas as vezes em que o Tinga, em frente ao antigo Petisco, puxava “Sou da Vila, não tem jeito” e nossas vozes se somavam à dele. Cantando isso no meio da multidão, qualquer vilaisabelense renasce das cinzas e enxerga com mais nitidez a beleza da vida no menino que, aos poucos anos de idade, caminha com um tamborim na mão, embalado pelo passo cambaleante da criança que aprendeu recentemente a andar mas já sabe amar uma escola.

Além de tudo, os três campeonatos da Vila traduzem muito do que faz parte de mim: a sede de que o Apartheid enfim se destrua; o amor pela América Latina; e o desejo de que as terras sejam partilhadas, como bem apontou Martinho no verso “progredir, partilhar, proteger”. Foi a Vila Isabel, feita de raízes que ecoam o grito forte dos Palmares e guiada pela lua de Luanda, que me ensinou que vale muito viver o Carnaval o ano inteiro pra tudo se acabar na quarta-feira.

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