segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Primeira vez


Fui uma criança que passou a frequentar a missa de domingo para acompanhar os pais na época em que eles me informaram que eu faria catecismo. Acho que foi nesse período que comecei a reclamar das circunstâncias da vida, porque me lembro nitidamente da dificuldade que era assistir à missa das crianças, e sobretudo acordar para assistir à missa das crianças, sempre iniciada às oito e meia da manhã. As aulas de catecismo aconteciam logo em seguida, então eu passava a manhã inteira na igreja.

Ensinada que ali era a casa de Deus e portanto um ambiente agradável, eu me sentia uma criança pecadora por querer prolongar o sono aos domingos e ir à missa sem vontade alguma, mas me entusiasmava em igual ou maior proporção com o ensinamento de que o Deus misericordioso tudo perdoava. Imersa nesse conflito interno que me acompanhou durante a época, terminei as aulas e fiz minha primeira comunhão.

Nos preparativos para o dia da eucaristia, tudo ficou acertado em alguns encontros, de modo que uma menina da turma se ofereceu para ler trechos bíblicos lá na frente, ao lado do altar, sendo o centro das atenções para toda a igreja, uma ideia que me apavorava e da qual fugi quando outros alunos comentaram que eu lia bem nas aulas e poderia ficar encarregada da tarefa. Provavelmente eu agradeci bastante a Deus quando a outra menina despistou a ideia e se pronunciou, dizendo que gostaria de ler no dia, o que todos acataram de imediato.

Até que chegou o domingo da primeira comunhão. As crianças se distanciaram de seus pais e ficaram juntas em bancos à parte, uma espécie de área vip de um evento eclesiástico. O padre começou a falar e um tempo se passou. Absolutamente tímida, eu me tranquilizava sabendo que só sairia do meu lugar para tomar a hóstia. Nesse instante, senti uma pequena movimentação e reparei que a professora da catequese havia pedido para alguém me cutucar. Quando olhei pra ela, ouvi baixinho: “A menina que ia ler não pôde vir, preciso que você venha comigo agora pra fazer isso.” O “agora” não me dava tempo de negar, nem de pensar em outra alternativa, nada. Mal tive tempo de me desesperar. De repente estava eu subindo os degraus, me posicionando perto do altar, com um microfone na direção da minha boca. Eu nunca tinha usado um microfone. Era a primeira vez que eu falaria em público. Todos, em silêncio, olhavam para mim.

Ajeitei os folhetos e comecei a ler, sem acreditar que aquilo acontecia. A minha expressão era de serenidade, mas a sensação era de uma enorme agonia. A professora, alguns colegas, familiares e pessoas próximas vieram falar comigo depois, sorridentes, elogiando o que eu havia feito e o modo como eu tinha lido. Muitos não faziam ideia do monstro que eu acabava de enfrentar. Diante de palavras positivas, para mim aquilo era um milagre ocorrido no dia em que experimentei a hóstia.

Ainda que o pavor de falar em público tenha me acompanhado por muito tempo, sendo inclusive uma preocupação quando decidi seguir o magistério, hoje penso na minha primeira comunhão como um impulso certeiro contra a timidez. Depois de me tornar professora e lidar com públicos variados por conta do trabalho, finalmente aprendi a driblar o desconforto de ter todos os olhares, ou boa parte deles, voltados para mim. Mudei tanto – ou me tornei tão mais eu – que não vou mais às missas de domingo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário