domingo, 17 de março de 2019

Um poema pra Mangueira


Nesse carnaval eu fui Mangueira
De verde e rosa me pintei e me vesti
Na Sapucaí defendi sua bandeira
De brava gente feito Beth e Leci

Nesse carnaval eu vi Dandara
Guerreira negra destemida
E chorei ao cantar na quadra
O samba da Manu da Cuíca

Entre serpentinas e confetes,
ouvi a voz das Marielles
Baiana, rainha, porta-bandeira
É das mulheres a Estação Primeira

Ali outro Brasil foi emoldurado:
na chuva sambava o menino
e um grito jamais silenciado
revelou ao país um novo hino

De duas cores se vestiu a quarta-feira
Vibrei com as notas da apuração
E sei que corro o risco de meu coração
Em outro carnaval bater pela Mangueira

sexta-feira, 1 de março de 2019

Para a minha cidade


Rio,

Eu te conheci saindo de uma maternidade de Marechal, subindo uma rua em Piedade, vendo confetes espalhados numa calçada da Abolição, reparando senhores jogando buraco na praça de Cascadura, espiando imagens, bichos e roupas no Mercadão de Madureira.

Fui te descobrindo, Rio, quando pisei em São Cristóvão, quando parei num balcão tijucano, quando me apaixonei na Lapa, quando subi a rampa do rubro-negro Maracanã, quando chorei uma dor calada no Sambódromo, quando andei da Rua do Rosário à do Ouvidor, quando cantei debaixo do viaduto da Mangueira, quando vi a madrugada ir embora num bar em Botafogo. 

E eu te amei todas essas vezes, Rio, além daquelas em que vibrei pelas calçadas musicais de Vila Isabel, senti saudade pelas bandas do Andaraí, vi a feira terminando na Glória, desci o Morro do Pinto acompanhando um bloco, passei a noite na Gamboa e caminhei de uma a outra ponta do Méier. 

Andei pelo Cachambi, pelas areias de Copacabana, parei na porta do Cacique, vi capoeira na Lavradio e entendi que pode ser que uma hora ou outra o amor acabe no mesmo lugar onde começou, e que eu, irrelevante diante da imensidão da cidade, sou alguém que vai por aí, com um retrato no bolso, uma saudade esquecida, um olhar de viés que tudo observa e a disposição para continuar caminhando pelas mesmas ruas cariocas que um dia me feriram ou me fizeram profundamente feliz.

Excesso de beleza me comove tanto que por vezes me causa dor. Essa cidade é minha vida inteira, corrida no rio fundo, manso e traiçoeiro que é se entregar ao que se ama. Minha cara ainda é o Rio de Janeiro.