A semana correu tanto que, quando chegou segunda-feira, me dei conta da crônica de domingo. E me veio à cabeça o que José de Alencar escreveu lá em outubro de 1854, quando publicou em sua seção “Ao Correr da Pena”, no Correio Mercantil, uma carta ao redator para se desculpar da preguiça que o impediu de produzir o folhetim da semana: “Sei que há de ficar maçadíssimo comigo, que me acusará de remisso e negligente (…). É já prevenindo esta eventualidade que tomo o prudente alvitre de escrever-lhe, e não ir verbalmente desfiar o longo rosário de desculpas que a minha imaginação, sem que lho encomendasse eu, teve o cuidado de ir preparando apenas pressentiu os primeiros pródromos da preguiça”.
Se houve preguiça para escrever, no entanto, garanto ao leitor que não tive preguiça de sair à rua, o que me faz levar apenas meia culpa, já que o pecado foi cometido pela metade. É possível até que eu esteja livre dele, uma vez que a falta de preguiça de sair pode na verdade compensar a preguiça de escrever, zerando, portanto, minha lista referente a um dos pecados capitais. Certo é que fiz bem em ir pra rua, pegar o metrô até a Praça Onze e parar no Baródromo, no sábado, pra ouvir samba de enredo. Melhor do que o churrasquinho com pão e cebola que comi lá só mesmo a sensação de cantar junto de muita gente o samba da Mocidade pro Carnaval do próximo ano, que é o segundo melhor do grupo especial. Na minha pequena opinião, só perde pro da Beija-Flor, que é uma coisa incrível. Minha Vila, que também vem com um samba muito bom, fica em terceiro lugar no quesito. Mas é sem dúvida o azul que dá o tom à minha vida.
Eu sou Vila Isabel porque, como cantam Moacyr Luz e Martinho da Vila, ela é de chorar de emoção. No meio da quadra, tão familiar, bebi, fiz amigos e só não sambei porque não sei. Sou Vila Isabel porque é quando ela entra na avenida que meu coração se transforma em surdo e quase para quando a bateria silencia. Sou Vila Isabel porque, acima de tudo, essa Kizomba é nossa constituição. A comemoração do título de 2013, que me levou à festa no arraiá na quadra e que me fez subir no palco e cantar chorando nosso chão de poesia, transformou aquela quarta-feira em um dos melhores dias da minha vida.
Apesar de ser o povo de Noel que me emociona, pra mim escola de samba tem a ver com democracia porque constrói laços de pertencimento. Por isso eu também piso na Serrinha quando Dona Ivone fala dos cinco bailes da história do meu Rio; voo com as asas da águia quando Senhor do Bonfim alumia os caminhos da Portela; canto Juremê, Juremá quando Neguinho relembra a saga de Agotime; me encanto com o cenário que a natureza criou pra menina dos olhos de Oyá; sonho com a Mocidade no céu de Sherazade; viro malandro batuqueiro quando passa a Academia; reverencio mamãe Oxum do ouro com a Viradouro; vou com a Estácio na Paulicéia desvairada; pergunto sobre o amanhã na Ilha; peço liberdade, liberdade em verde e branco; e defendo Canudos com a Em Cima da Hora no Nordeste do meu Brasil.
Diante do axé que encontro num samba de enredo, não posso compactuar com a intolerância de quem vai à África e, em vez de valorizar essa cultura que se mistura à nossa, ataca as religiões africanas afirmando que são “diabólicas”. A campanha do bispo Marcelo Crivella tem se mostrado cada vez mais oportunista e mentirosa, sendo baseada em inverdades sobre seu adversário e em calúnias a respeito de quem está ao lado de Marcelo Freixo, como a vice Luciana Boiteux e o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Além disso, o senador do PRB defende a submissão da mulher ao homem, afirma veementemente que é ficha limpa — escondendo que já foi preso —, cancela participação em debates e classifica os gays como um “terrível mal”.
A poucos dias do segundo turno, recorro ao samba da Viradouro deste ano: “ó, meu Brasil, cuidado com a intolerância”. Tomara que o carioca tenha esse mesmo cuidado na hora de decidir seu voto.


