domingo, 14 de agosto de 2016

Meu pai

Meu pai me lembra muito o meu avô. Os dois são mais de gestos do que de palavras. Era, o meu avô. Dizem a coisa mais bonita no silêncio. Dizia, o vô. Meu pai é a vida que corre em mim devagar; o acender da luz que alivia o medo do vazio que o escuro traz. Meu pai é choro de menino que termina em sorriso; é água calma de rio na madrugada. Eu sou o espelho do espelho que ele é. Coisa que não quebra, não muda e não deixa de pulsar no peito. Meu pai é coração batendo forte feito amor que não acaba. Meu pai é o menino que me dá a mão.

E de mãos dadas sigo com ele, porque só encaro esse mundo com a leveza de carregar comigo o muito do tanto amor que sinto. Ando por aí com o sol me obrigando a franzir a testa e procurando no fio de luz desenhado no azul as cores que vêm e vão e vêm e vão de um lado pro outro, criança de bermuda soltando pipa que vem e vai lá em cima. Muita vez e outra sou de novo a menina que passeava de moto com meu pai, que jogava bola com gol no portão, que andava de bicicleta dando voltas na garagem do prédio, que esperava ele chegar do trabalho pra espalhar brinquedo e mais brinquedo pela cama.

Sou aquela que chora ouvindo o espelho de João Nogueira, que abraça de repente, que morre de medo, que agradece e que sabe que amor assim brota quando a gente nem é gente ainda e não acaba mais, feito reflexo de sol em olho entreaberto: cega, é mais forte que o conseguir enxergar; cega, de tanto amar. Meu pai é impulso de vida pra minha vida, é inspiração que faz seguir em frente, é presente cheio de passado e de futuro. Nosso tempo conta os meus sorrisos abraçados aos dele.

Somos feitos de escassez, de amor que é raro hoje em dia. Precisamos só do pouco espaço que comporta abraço apertado e do muito tempo que abrange a eternidade do mesmo abraço. Somos feitos do mínimo, do que não gosta de extravagância. Pra gente o excesso só existe no sentimento do mundo, na rosa do povo. Seguimos de mãos dadas. Somos espelho um do outro, coisa que não quebra, não muda e não deixa de pulsar no peito. Meu pai é coração batendo forte feito amor que não acaba.

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