Depois da abertura do impeachment no Congresso, com direito a pato amarelo, boneco inflável e bateção de panela, o que mais a gente vê é notícia de propostas inacreditáveis atualizando a timeline. Às ideias de aumentar o tempo de trabalho e de pôr fim à universalização do Sistema Único de Saúde (SUS) se soma agora a de acabar com o ensino superior público e gratuito. Isso porque o programa Ciência Sem Fronteiras, que possibilita o aprimoramento de estudantes e contribui para uma formação não só profissional mas também pessoal, já chegou ao fim na graduação.
No domingo passado, o jornal O Globo defendeu que a medida de acabar com o ensino superior público e gratuito seria essencial para a economia. Alegando ser essa a melhor forma para equilibrar as contas públicas, houve ainda a tentativa de argumentar no texto que o ensino superior gratuito é um "mecanismo de injustiça social, pois favorece apenas os ricos, que tiveram melhores condições educacionais para passarem no vestibular". Que os cursos privados de pré-vestibular oferecem grandes oportunidades de ingresso nas universidades é verdade, mas é também verdade que a aprovação no vestibular não é exclusividade de quem pode pagar os tais cursos.
Se analisarmos apenas a escrita do texto, encontramos o problema da restrição supostamente taxativa no termo "apenas". Não, não são apenas os ricos que garantem uma vaga na faculdade pública. E com isso identificamos outra problemática: a intenção do governo de retirar a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). É sobretudo nas aulas de redação que discutimos a produção do texto escrito, a capacidade de argumentar e de não generalizar nem ser equivocadamente taxativo ao desenvolver um assunto. A utilização do "apenas" da mesma maneira que foi usado no texto d’O Globo, por exemplo, não caberia em uma redação preocupada com a veracidade das informações.
Já no que diz respeito ao conteúdo da matéria, o jornal deixa clara a preferência pela exclusão de quem mais precisa desse ensino superior — que, sabemos, não são os ricos. O interesse em retirar oportunidades dos que já pouco têm é o principal objetivo por trás do discurso de buscar o equilíbrio econômico. Além disso, um governo associado ao corte de bolsas, como fez com noventa mil bolsas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), não tem credibilidade alguma para garantir que, tornando as universidades privadas, poderá oferecer bolsas de estudo a todos aqueles que não puderem se comprometer com o pagamento de uma faculdade.
No mais, é evidente que a universidade pública vira pauta de um jornal comprometido com o interesse dos donos do poder — com exceção dos profissionais dignos que nele trabalham — quando passa a ser frequentada por pobre e por uma gente que, aos olhos da Casa Grande, continua sendo inferiorizada. O Brasil, no entanto, é feito de resistência e subversão. E a gente subverte o falacioso discurso econômico porque sabe que no fundo o que ele vergonhosamente reitera é o preconceito.