As telas do cinema mostraram que a empregada doméstica e babá do filho dos patrões, apesar de ser quase da família, não pode deixar de saber qual é seu devido lugar na casa onde trabalha e, por extensão, sua representação simbólica na sociedade. "Que horas ela volta?" nos colocou frente à realidade classista que menospreza o estudo da filha da empregada em um colégio público e provoca indignação com o fato de ela passar no vestibular enquanto o filho dos patrões, instruído nos colégios mais caros, é eliminado do processo.
Além disso, o filme apresenta uma situação em que a empregada, embora compre um conjunto de xícaras com todo carinho para a patroa e embora seja bem tratada ao presenteá-la, é ordenada a não tirar as xícaras do armário porque não servem para receber os convidados da aniversariante. Em uma das cenas mais comoventes, a empregada volta com as xícaras para a cozinha e a gente percebe que não importa mesmo, nessas horas, que ela seja quase da família.
Vimos também em outro filme que patroas brancas desejavam que fossem construídos banheiros separados para uso de suas empregadas negras, alegando "questão de higiene". Segundo uma das patroas retratadas em "Histórias Cruzadas", a justificativa absurda é que "elas carregam doenças diferentes das nossas".
Sabemos, no entanto, que não é preciso recorrer a uma obra ficcional para ter dimensão da ideia veiculada por um uniforme branco. Há poucos dias, no Brasil, a proibição de uso do mesmo banheiro feminino foi defendida por uma "questão de educação". Foi o que disse uma das sócias do Country Clube do Rio sobre a placa que proíbe a entrada de babás no banheiro das sócias: "A proibição de entrar no banheiro não é para humilhar, é pela ordem para que não vire uma bagunça. Algumas babás não têm educação". Ou, ainda, por "questão de ordem e disciplina", como tenta argumentar outra sócia: "Não tenho preconceito, mas as babás não necessariamente são pessoas extremamente educadas. Infelizmente, nem todas as classes têm acesso à mesma educação. Elas não necessariamente vão puxar a descarga ou deixar o banheiro limpo. Não é nada contra as babás. É questão de ordem e disciplina".
Curioso é que as pessoas que vergonhosamente reclamam da falta de educação das babás são as mesmas que sequer dirigem um "bom dia" a elas. A questão da educação, nesse caso, é mais uma desculpa para tentar legitimar o preconceito. O que incomoda, afinal, não é a falta de educação — que independe de classe social —, é dividir o mesmo espaço com quem se deu conta de que seu lugar na sociedade não deve ser ordenado por ninguém que se julgue superior aos demais.
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