domingo, 14 de fevereiro de 2021

Domingo de Carnaval


Passaram a sexta e o sábado de Carnaval. Acorda tarde, pisa no glitter espalhado pelo chão da casa, separa a camisa da escola pra vestir à noite, coloca a playlist com os sambas-enredo das agremiações do dia, pensa no desfile que mais quer ver, prepara a bolsa térmica, separa o cartão do metrô e os ingressos e, quando se dá conta, já é hora de sair de casa novamente.

A caminho da Sapucaí, comenta com amigas e amigos as expectativas pro primeiro dia do Especial e as impressões sobre os desfiles do Acesso; sente o coração embriagado pela sensação de estar, ao mesmo tempo, em um dia que marca o início das apresentações e a metade de todas elas; canta o samba da própria escola, pedindo, como se fosse reza, que ela venha da melhor maneira; lembra os ensaios de rua e sorri, confiante no grito que chama a vitória.

Chegando ao Centro, pensa nos domingos de bloco, que contam com outra dinâmica: acordar bem cedo. Por ali, a rua se enche de pessoas que decidem não falar de tristeza e então desfilam com seus estandartes, revelam as fantasias compradas ou confeccionadas dias antes e espalham confetes, espumas, serpentinas. Nas proximidades do Sambódromo, componentes e torcedores com ingressos pendurados no pescoço carregam fantasias, instrumentos, cervejas, salgadinhos, espetinhos, cachorro-quente, refrigerante, água e capa de chuva. Com a certeza de que um lindo dia se anuncia, presenciam, enfim, o terceiro dia de Sambódromo, o primeiro de desfile do Grupo Especial.

No ano em que nasci, minha escola, a Vila Isabel, desfilou no domingo. Em 2006, foi campeã após ter passado pela Avenida no domingo. E foi também se apresentando no domingo que a Vila poderia ter conquistado mais um título, em 2012. O domingo de Carnaval, portanto, é um dia peculiar, ainda mais se considerarmos que, diferentemente da segunda-feira, tem mais chances de ser surpreendente. Isso porque, sabemos, pouquíssimas foram as vezes em que uma escola de domingo levantou a taça, fator que faz com que muitos comemorem quando sua escola é sorteada pra segunda.

Enquanto seleciono essas memórias dos domingos de carnaval, penso no Sambódromo vazio. Hoje seria dia de não notar o corpo cansado da sexta e do sábado na arquibancada e voltar mais uma vez pro melhor lugar da cidade: “Atenção, Sapucaí!”. É esse o instante da tensão desmedida, da alegria eufórica, da curiosidade, da concentração. O esquenta da bateria, a primeira escola pronta pra entrar, as alegorias encaminhadas, as bandeiras tremulando no setor 1…

Apesar de ter noção de que “nada se acaba quando é feito por paixão”, como afirma a letra de “Vitória da Ilusão”, é impossível não estar saudosista e comovida em um Carnaval que nem pôde começar, por todos os motivos que isso envolve. Este fevereiro esquisito, em que o domingo de Carnaval não tem o mesmo significado que comumente tem para nós, é tempo de nos atentarmos a mais um verso de Adir Blanc: “Das cinzas à ressurreição!”. Afinal, num dia que se assemelha a uma quarta de cinzas sem apuração, é preciso abrir alas para a esperança.

Com grandes enredos na cabeça e prontos para renascer das cinzas, plantaremos de novo o arvoredo quando enfim chegar o Carnaval. Enquanto a gente sofre com a espera, o controle remoto aponta pra televisão e seleciona os desfiles antigos que fazem a gente cantar e vibrar na sala de casa. Tão bonita, a nossa escola…

Publicado originalmente no site da Rádio Arquibancada.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Carta a um grande amor, o Carnaval

Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Se estivéssemos juntos agora, no quarto estariam espalhados meus shorts coloridos, o glitter azul sobre a escrivaninha e a fantasia dos blocos de pré-carnaval já lavadas depois de tanto suor, gotas de cerveja, água e lama do asfalto sujo, além dos confetes que grudam para só descolarem da roupa no banheiro de casa. Os ingressos da Sapucaí, já comprados há muitos dias, estariam guardados onde eu sempre deixo, na lateral do armário. Minha ansiedade, que sempre é grande, estaria triplicada; Martinho seria homenageado pela Vila em poucos dias, afinal. 

Todos os outros anos eu repetia: não sei o que faria da vida se não tivesse você em fevereiro ou março, se não acompanhasse você até fevereiro ou março. Como prova, fiquei perdida desde o último Carnaval, sem ter direção que me encaminhasse para as quadras, para os ensaios, para o Mercadão de Madureira, para o Centro da Cidade e para os lugares onde ouço samba-enredo e bebo devagar minha cerveja. Muita coisa mudou em mim recentemente, é verdade, mas nada que diga respeito a você. Porque faz parte da minha essência perceber e gostar da mesma sensação boa de criança ao ver a fantasia de um grupo de bate-bolas, os portões das casas com serpentinas penduradas, as espumas espalhadas pelo chão, a rua inteira na minha frente pra eu andar, andar e andar, sem pensar em nada - ou pensando em tudo. 

Sei lá como é não estar por perto este ano. Fantasias guardadas, copos vazios, a lateral do armário sem ingresso algum guardado. Passar o início do ano sem andar de chinelo na Vinte e Oito enquanto os carros não transitam mais e toda a rua se enche de instrumentos de bateria, carro de som, torcedores e componentes é um troço muito esquisito. Ficar janeiro todo sem engatar um ensaio de escola de samba no outro é uma novidade que machuca, ainda que seja evidentemente necessária. Por aqui andamos muito machucados, alguns mais e outros menos, mas todos, sim, enfrentando os próprios medos - ou fugindo deles. Ando com uma saudade enorme da alegria, aquela que só você me traz, e quando existe algo ou alguém que nos proporciona uma alegria única, é porque tem bastante amor nisso aí. Ê, Carnaval, que falta que tu faz...