Na semana passada, falei rapidamente com um professor de música sobre o jongo, enquanto corria o intervalo na sala dos professores. Mencionamos a Serrinha e isso me lembrou de imediato o dia em que cheguei cedo à Feira das Yabás e parei em frente à roda de jongo que acontecia naquele instante.
Um menino, embalado pelo que via e ouvia, mexia o corpo miúdo, mostrando toda a desenvoltura dos pequenos que mal aprenderam a andar. Senhores e senhoras se cumprimentavam e dançavam revelando uma energia própria dos que jongam - como se a Feira das Yabás não tivesse ameaçada por uma prefeitura disposta a eliminar qualquer manifestação cultural de matriz africana; como se essa cultura, fortalecida por seus ancestrais, jamais pudesse ser eliminada por qualquer projeto fundamentado no preconceito. E quem via a roda de jongo sabia: ninguém apagaria mesmo o riso encantador, e por isso subversivo, daqueles que encaram a vida batendo palma, cantando e mexendo os corpos ao toque dos tambores.
Foi assim que Tia Maria viveu. Foi assim, pertinho do tambor, que ela se foi, numa despedida de pisar devagarinho no chão da Serrinha antes de seguir para o Orum. Ao longo dos 98 anos, atravessou a Sapucaí com o verde e branco imperiano e viu a escola que fundou voltar ao grupo especial com o campeonato de 2017, sabendo que seu quintal é maior que o mundo e que a poesia mora lá, em Madureira. Na Feira das Yabás, onde fui algumas vezes depois do dia em que vi o jongo, Tia Maria subiu no palco para mostrar o que confirmou recentemente ao jornal O Globo, em sua última entrevista: "Nasci com o jongo e vou com ele até o final, só paro de dançar quando Deus quiser".
E foi ontem que Tia Maria parou de dançar, talvez porque soubesse, na calmaria daquele sorriso que convidava tudo quanto é gente para conhecer o jongo, que no Ayê continuarão dançando e entoando um canto fundamental: "Vai chamar quem mora longe, tambor". Machado!

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