Dentre os muitos sambas bons que tem a Beija-Flor, um dos meus preferidos é o que conduziu a escola no desfile campeão de 2007 - composição de Claudio Russo, J. Veloso, Gilson Dr. e Carlinhos do Detran -, do qual destaco um belíssimo trecho: "Agoyê, o mundo deve o perdão/ A quem sangrou pela história/ Áfricas de lutas e de glórias".
Por ser de lutas e glórias, em 25 de maio a África é celebrada. O dia foi escolhido devido à criação da Organização da Unidade Africana (OUA) na Etiópia, na data de 25 de maio de 1963, a fim de defender e emancipar o continente. Nove anos depois, foi decidido pela ONU que esse passaria a ser o dia da África. E o trecho do samba da escola nilopolitana assim se confirma, já que a celebração é uma forma de resgatar a memória dessa luta pela independência a partir do combate à colonização europeia e ao Apartheid.
Sábado passado, portanto 25 de maio de 2019, um evento comemorando o aniversário de Madureira acabou se tornando, para mim e para todos os que se reuniram na Arena Carioca Fernando Torres, no Parque Madureira, também a comemoração do Dia da África. Uma roda de samba que tem Nei Lopes e Zé Luiz do Império como convidados, além de ser coisa fina, sinhá, une a resistência do samba - desde sempre atacado pelos mesmos que naturalizam a absurda depredação de terreiros - e a identidade negra que os dois representam. Cantando "Morrendo de saudade", "E eu não fui convidado", "Malandros maneiros" e "Senhora liberdade", pareciam ter transformado a roda numa aula em que a didática se revelou no batuque, na criança que bateu palma, nas vozes que cantaram como se expulsassem as agonias que muitas vezes pesam a vida.
E os termos "aula" e "didática" me levam a um educador profundamente comprometido com uma Educação emancipatória, inclusiva e libertária, sendo por isso mesmo odiado por aqueles que se interessam apenas pela manutenção da desigualdade, que não emancipa, não inclui e não liberta. Paulo Freire, no livro Cartas a Guiné-Bissau: registro de uma experiência em processo, fala da sua relação com a África: "Meu primeiro contato com a África não se deu, porém, com a Guiné-Bissau, mas com a Tanzânia, com a qual me sinto, por vários motivos, estreitamente ligado. Faço esta referência para sublinhar quão importante foi, para mim, pisar pela primeira vez o chão africano e sentir-me nele como quem voltava e não como quem chegava".
Ainda comentando essa relação, ele detalha a admiração por uma "cultura que os colonizadores não conseguiram matar, por mais que se esforçassem para fazê-lo". A resistência, a luta movida pela indignação e pela ancestralidade, o drible na morte fazem com que a África seja o baobá de um Brasil avesso ao de hoje. No Dia da África, e em tantos outros, é preciso lembrar as negras e os negros que nos ensinaram e nos ensinam a lutar por liberdade.

