domingo, 22 de maio de 2016

Mesóclise

Lembro nitidamente que, no terceiro ano do ensino médio, achei incríveis as regras de uso dos pronomes oblíquos átonos. Eu me dediquei a entender como a coisa funcionava e passei a gostar de identificar alguns equívocos que geralmente ocorrem nos textos jornalísticos. Quando me foram apresentadas as possíveis colocações pronominais, no entanto, percebi que muitas delas eram estranhas, um troço que na verdade não era usual.

No primeiro teste aplicado pelo professor, havia uma questão que pedia a transformação de expressões por pronome. Confesso que pensei na resposta que dias depois descobri ser a adequada, mas na hora achei tão esquisita que resolvi arriscar outra possibilidade. Naturalmente, errei a questão. Mas compreendi que a gramática tem disso, mesmo entendendo a gente tenta buscar outra alternativa. O que muita gente não aceita é que todas as alternativas têm seu porquê. E são legítimas porque se encaixam em seus contextos próprios.

Memorizei muitos dos condicionamentos que levavam à próclise, à ênclise e até à mesóclise. Depois isso fica meio automático e, ao estabelecer certo domínio em relação ao tema, aquele deslumbramento inicial passa e a gente vê que ninguém fala mesmo daquele jeito. A coisa serve basicamente pra acertar uma múltipla escolha em prova de português. Ou então pra ser pedante, já que o brasileiro, em relação ao uso da tal mesóclise — e também da ênclise — na fala, prefere acender um cigarro e resmungar um “deixa disso, camarada”.

Com exceção da palavra “camarada”, foi exatamente o que pensei que poderiam dizer ao presidente ilegítimo quando fiquei sabendo do seu discurso com mesóclise. “Deixa disso, golpista”, substituindo o vocativo pra adaptá-lo ao sujeito em questão.

As línguas sabidas e sabichonas se enchem de pompa por verem um presidente falando “sê-lo-ia” e utilizando ênclises inusuais, mesmo em casos em que o pronome esteja empregado em desacordo com a gramática. O que tanto criticam em seus inimigos políticos passa despercebido aos olhos de quem tem sua norma culta particular. Falam em nome do povo mas se distanciando dele linguisticamente. É preciso mostrar barreiras e excluir, de modo sutil mas não menos perverso, aqueles que iniciam frase com um pronome oblíquo átono e não estão nem aí pra pronome no meio de verbo. Me poupe.

Eu, que lido com texto a todo tempo por ser da área de Letras, quero mais é distância da mesóclise do Temer. Temei a mesóclise, caro leitor. Não pela dificuldade de usá-la, porque isso é bobagem, mas simplesmente por uma questão política. Não é dos homens de bem — ou de bens — que o país mais precisa, e sim do bom negro e do bom branco da nação brasileira que dizem todos os dias “me devolva a democracia”.

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