Depois do sucesso obtido em Birdman – o longa foi premiado no Oscar como melhor filme, fotografia, roteiro original e direção –, o diretor mexicano Alejandro González Iñarritu leva às telas uma adaptação do romance de Michael Punke, The revenant: a novel of revenge. O Regresso mostra as inóspitas e surpreendentes condições de sobrevivência de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), um guia de uma expedição de caça que, após ser gravemente atacado por um urso, é abandonado por iniciativa de Fitzgerald (Tom Hardy), principal encarregado de acompanhá-lo até o momento de sua morte. Além disso, o filme também gira em torno da vingança de Glass em relação a Fitzgerald por este ter matado seu filho. No roteiro de Iñarritu e Mark Smith, o assassinato funciona, dessa forma, como impulso que motiva toda a jornada do protagonista.
Impressiona no filme o realismo das cenas, sobretudo no momento do ataque do urso, em que a agonia, o nojo e a compaixão com o personagem são automaticamente acionados no espectador que se encontra ansioso para que o embate logo termine. Ao mesmo tempo que essa proximidade com o real seja valiosa para o filme, existem pontos, porém, que se distanciam de uma realidade plausível, como a relativamente rápida recuperação do protagonista ou até mesmo o fato de ele não ter perdido sua garrafa enquanto era arrastado nas águas por uma brutal correnteza. Os detalhes duvidosos, contudo, ainda comprometem menos a narrativa do que os flashbacks relacionados à vida pessoal de Glass, que surgem inoportunamente e que poderiam ser descartados sem que a compreensão ou a dramaticidade fossem prejudicadas por isso.
No entanto, o trabalho técnico de O Regresso se revela incrível pelas perspectivas proporcionadas pela câmera, seja na batalha inicial contra os índios – o público acompanha todo o conflito diante de uma lente que capta os homens, um a um, à medida que são atingidos, fator que o aproxima ainda mais desse momento caótico –, seja no foco em relação aos personagens, de modo que a aproximação permitida pelos closes manifesta também uma aproximação a suas experiências emocionais, como acontece, por exemplo, quando percebemos toda a dor de Glass no instante em que a câmera registra de muito perto apenas o seu rosto após o ataque do urso. Outro aspecto que desperta a atenção é a opção do diretor de destacar e, mais do que isso, lembrar que há alguém por trás da câmera: é o que ocorre quando a lente embaça com a respiração do personagem ou, ainda, quando é manchada por respingos de sangue provenientes da luta final entre Hugh Glass e Fitzgerald.
Diante dessa câmera que o flagra tão de perto, Leonardo DiCaprio tem uma atuação brilhante no filme, sobretudo porque grande parte de sua comunicação não ocorre por uma linguagem verbal, o que consiste na alta capacidade do ator de expressar-se fisicamente, por meio de respirações pesadas e sussurros e em sua total entrega para isso. Tom Hardy, que interpreta o antagonista Fitzgerald, também se destaca ao ser capaz de apresentar um vilão cujas expressões faciais já bastariam para revelar sua insanidade e sua falta de altruísmo. O simples modo de falar, com uma dicção não tão nítida, por exemplo, é outra característica que particulariza esse personagem que demonstra a todo tempo impaciência e fúria.
Ainda que DiCaprio tenha feito um trabalho admirável – considerando também os sacrifícios como ter de comer fígado cru, enfrentar temperaturas muito baixas e carregar uma pele de urso de quase cinquenta quilos –, a construção de seu personagem não parece tão profunda quanto poderia ser. Foi brilhante, mas não impecável. Fica para o espectador a sensação de ter se comovido mais com o ator Leonardo DiCaprio, devido às condições a que se submeteu para que o trabalho desse certo, do que com o personagem Hugh Glass, que sobreviveu ao ataque de um urso, viu o filho morrer e percorreu uma jornada dificílima para se vingar.
Com suas doze indicações ao Oscar, o inegável acerto de O Regresso, a meu ver, é a fotografia. O trabalho de Emmanuel Lubezki é o que dá mais vida ao filme, o que mais comove a plateia e o que mais a insere de algum modo na trama. As paisagens que aparecem na tela e, principalmente, a maneira como elas são registradas expressam incrivelmente o plano emocional da história, como se cada imagem proporcionasse uma reflexão acerca do sofrimento de Glass. Nesse sentido, o conjunto da obra é favorecido e O Regresso se afirma como um bom filme.
