sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Desenhos da infância

Lendo o texto do Verissimo que foi publicado ontem, me vieram à cabeça memórias da infância. Claro que a imagem de um cão correndo atrás do carro sem que nós saibamos com qual finalidade me traz também um saudosismo suburbano. O trecho inicial "houve um tempo em que" incita o lamento de que estamos em outra época, sem cachorros correndo atrás de carros enquanto conversamos livremente no portão de casa.

O que minha memória resgatou e sobre o que quero discorrer, no entanto, diz respeito a desenhos infantis: o Frajola correndo atrás do Piu-piu; o Coiote tramando armadilhas para colocar as mãos no Papaléguas; o Dick Vigarista querendo pegar o Pombo; o Tom desesperado para capturar o Jerry. Todos têm algo em comum: suas estratégias sempre são em vão e eles permanecem a esmo com suas tentativas frustradas.

Como bem questionou Verissimo, que faria o cão ao alcançar o carro? Comê-lo? Ninguém sabe, nem o próprio cão. E é assim que é analisado quem bate panela contra tudo. O que fazer quando o Pombo, o Papaléguas, o Piu-piu e o Jerry forem capturados? Terminar o desenho e pensar no desenvolvimento de outro capítulo? O problema é que tal capítulo deve ser previamente concebido, calculado, organizado.

Não adianta pedir organização política por meio de atos tão desorganizados, tampouco exigir respeito quando se deseja desrespeitar outra vida. Querer a volta da Ditadura sabendo o que ela significa – porque, sinceramente e lamentavelmente, a maioria dos que andam solicitando a repressão sabe bem de que se trata o regime – é um modo de calar os que conseguiram ter voz.

Latir atrás do carro sem um porquê democrático não muda conjuntura alguma, só reforça o ditado "cão que ladra não morde". E, diferentemente dos desenhos da minha infância, a vontade de anular o outro não tem a mínima graça.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Aperta o start

Já cedo eu passava pelos Arcos naquele sábado de julho. Apreensão notória do desconhecimento, chão molhado de chuva, pés na Fundição Progresso. Só havia estado ali à noite, em qualquer show dedicado ao samba, à tristeza que balança. De lupa na Lapa, já vaguei pela Mem de Sá ao som de Moyseis Marques.

Mas naquela manhã de sábado eu divagaria. E a gente tem medo de. Alguns turistas nos Arcos, a vista do bonde, a porta aberta e o coração fechado. Timidez de falar com quem não conhece, talvez confundida com antipatia, pouco papo, leves sorrisos e ainda a apreensão. Paspalhos diante do Messiê, picadeiro à frente, cortina vermelha escondendo o espelho. Aperta o start.

Voltei pra casa com pranto no peito por ter visto Carlitos, a solidão e o amor. Em casa, abraço quem não vivo sem, falo de amizade como manifestação do amor e escrevo a quem tem meu carinho, outra forma de amor. Perdão pela repetição da palavra que Drummond mandou não ser pronunciada, leitor. Tem muito "amor" nesse parágrafo porque era só isso que eu sentia. E sinto.

Domingo, mais um dia de ver os Arcos. Chorei com meu nariz de palhaço, a menor máscara do mundo, e com a minha imagem refletida na criança que voltei a ser. Ela apareceu no espelho e me deu a certeza de que sou pequena. Como diria o principezinho de Saint-Exupéry, as pessoas grandes precisam sempre de explicações, porque nada entendem, afinal. Não se compreendem, inclusive, neste mundo de adultos que não podem ser frágeis.

Acontece que a fragilidade, quando revelada, faz de nós especiais para quem a vê. É por isso que sorrimos de imediato ao nos depararmos com o olhar puro de um bebê na nossa direção. E o que eu quero, depois de me mostrar pequena para todos, é me deparar sempre com um olhar puro na minha direção. Assim sou capaz de saber que, no meu mundo, os adultos também podem ser frágeis e, portanto, fortes porque profundamente humanos.