Jade,
em poucos dias você vai nascer. Em janeiro você chega, como eu também cheguei num janeiro de 93. Você será capricorniana como eu. Dizem que somos muito racionais -- e têm razão. Eu só aprendi que a razão não é fundamental com Machado de Assis e, na verdade, só consegui pôr isso em prática neste 2015 que está indo embora. Foi um grande aprendizado, deixou minha vida mais bonita e mais leve. Me fez feliz.
Eu te escrevo agora porque estou numa madrugada de dezembro pensando que a gente ainda não se conhece e eu já te amo. Tem pessoas que se amam sem se conhecerem, a vida tem dessas coisas. Um dia elas se (re)conhecem e descobrem as formas de amor que existem no mundo, e uma delas é a amizade. Eu desejo profundamente que você tenha amigos de confiança, que ria muito com eles, que saiba guardar seus segredos e que descubra ao lado deles o quanto a vida pode ser boa.
Você vai nascer sem saber nada sobre o nosso mundo, Jade. Seus pais vão te ensinar muito e também vão aprender bastante contigo, porque (há quem não saiba, mas eu vou contar um segredo a você) é o pequeno que guarda o extraordinário. Eu sou aquela prima (ou seria tia?) que vai conversar com você sobre miudezas e sobre assuntos pelos quais muita gente não se interessa. Eu vou te ouvir quando você quiser me contar qualquer sopro de vida, vou te aconselhar quando e se você solicitar, vou fazer você rir muito a qualquer momento -- as pessoas da nossa família riem muito comigo, você vai ver. Eu ainda não te conheço, mas já te amo. E eu gosto muito de fazer quem eu amo sorrir.
Sua bisavó, minha avó e avó da sua mãe, ria muito comigo. A gente passava tardes e tardes brincando e falando do meu futuro. Quando eu era bem pequena, um pouco maior do que você, eu cismava que seria rica. Hoje eu sei que nem preciso de tanto dinheiro, é que ele vai e volta e eu sou feita das coisas que permanecem. Um dia, quando você conversar com você mesma, vai aprender que a alegria vem com facilidade, que a verdade do seu olhar é o que proporciona a vida da sua vida.
Meu avô e o avô da sua mãe, seu bisavô, me deu um barco que, apesar de ficar guardado lá em cima do meu armário, me transporta pra um tempo que a gente chama de passado (há muita alegria no passado, quando a gente sorri lembrando é porque tá com saudade, você ainda vai sentir muito isso). Ele, seu bisavô, era uma dessas pessoas que enxergam com o coração, como meu pai, que puxou a ele. Ele tinha uma risada leve, andava a passos lentos, gostava muito de dar presente e de mocotó. O mocotó do meu avô era muito bom. Quando eu ia pra casa dele e da minha avó, seus bisavós, a gente também comia macarrão colorido no almoço e pão com mortadela no lanche. Eu adorava, Jade. Quando você estiver maiorzinha, a gente vai comer mocotó, macarrão colorido e pão com mortadela.
Eu vou torcer pra que no seu mundo, quando você estiver grande e for dona de si -- porque saiba, Jade, as mulheres são muito fortes e independentes, ainda que tentem te mostrar o contrário --, o diálogo seja mais importante que os imperativos tão presentes na atualidade. Tomara, Jade, que você possa fazer parte de um mundo que não queira jogar fora a democracia e que lute para melhorá-la a todo momento. A gente ainda vai conversar sobre isso e você, Deus queira, vai ver a beleza da esperança equilibrista. Um dia, Jade, você entenderá que somos iguais, que temos direitos, que direitos humanos são importantíssimos e que temos o dever de defendê-los.
Sei que você ainda é muito pequena pra receber uma carta grande assim, mas é que sua prima (ou seria tia?) gosta de escrever e, quando escreve pra quem ama, acaba usando muitas palavras. Às vezes sai alguma poesia até. Tomara que você goste de poesia, Jade, que você goste de ler e que entenda a revolução que as letras são capazes de promover dentro da gente.
Agora são mais de duas horas da manhã e, por mais que eu tenha insônia todos os dias, vou ficar por aqui pra tentar dormir. Quando você chegar, a gente vai se dar muito bem porque eu já te amo. Eu vou me emocionar quando te conhecer, tão pequenininha nesse mundão. Que você e eu tenhamos muita saúde, Jade, e muita vida pela frente. A gente ainda tem muito o que conversar.
Um beijo,
Thaís.