sexta-feira, 24 de julho de 2015

Das coisas que ninguém sente falta

Quando minha avó morreu, eu me dei conta de que me apego às coisas das quais ninguém sente falta. Quando eu soube que não tinha mais jeito, que ela ia embora mesmo, que eu não receberia mais sua ligação na virada do ano me desejando parabéns, abri a bolsa dela que estava na minha casa, peguei dentro outra bolsinha e retirei os poucos papéis que estavam ali, esses que a gente sempre leva junto da gente sem importar pra onde é que nós vamos.

Não ficaram comigo a bolsa e a sapatilha preta que ela usava. Só guardei as coisas que ninguém sente falta. Era uma página de um caderninho de telefone com alguns números anotados, uma foto sua com uma de minhas primas no colo, algumas fotos 3x4 – eu, o primeiro dos retratos – e, para minha maior surpresa, o convite do meu aniversário de um ano, todo colorido, festa com tema de palhaço, tudo registrado ali. Naquele dia de 1994, ela ficou desesperada ao me ver tão pequena no colo de um palhaço com pernas de pau, meu Deus, minha menininha, que perigo, desce, tira ela de lá de cima.

Foi em 2013 que eu vi esse convite na bolsa de minha avó. Caramba, ela guardava, andava com ele, só porque era meu. E chorei mais ainda. Eu chorei como nunca quando ela deixou comigo essas miudezas da vida, quando eu peguei pra mim sem motivo algum o que era só dela. E com isso eu comecei a perceber que presto atenção no miúdo, no que depois talvez ninguém lembre, no que não pretende permanecer.

Se não existisse esta crônica, é possível que ninguém soubesse o que ela sempre levava na bolsa. Eu nunca contei, nunca mostrei, só guardei como se fosse saudade objetificada. Às vezes eu também levo junto de mim o que mais ninguém precisa saber, qualquer gesto ou expressão que a alegria reconhece. E sorrio mais ainda. Eu sorrio como nunca quando vejo comigo essas miudezas da vida.