segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Cruz e Souza, poeta simbolista

Cruz e Sousa, nascido em Santa Catarina, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1890 e começou a trabalhar na Folha Popular, jornal em que foram reunidos, pela primeira vez, os poetas representantes do movimento simbolista. Esse grupo de poetas, liderado por Cruz e Sousa, era contrário ao Realismo, ao Naturalismo e ao Parnasianismo, correntes já anteriormente consagradas na literatura brasileira.

Em 1893, o maior representante do Simbolismo brasileiro publica Missal, livro composto por poemas em prosa, e Broquéis, que abarca poemas em verso. Foi a partir de tais publicações, sobretudo da segunda, que ele marcou uma nova tendência literária, caracterizada pelo espiritualismo, pela subjetividade, pela musicalidade e pelo predomínio da emoção – aspectos opostos ao Parnasianismo, que cultuava o cientificismo, a exterioridade objetiva, o rebuscamento e a racionalidade.

Como aponta Raimundo Magalhães Jr. no livro Poesia e vida de Cruz e Sousa, o poeta, quando publicou Broquéis e alcançou certa visibilidade, foi bastante criticado na imprensa: Artur Azevedo, José Veríssimo, Rodrigo Otávio e Araripe Jr., por exemplo, escreveram negativamente sobre Cruz e Sousa. No embate entre os simbolistas e os adeptos das outras correntes citadas, porém, havia certa contenção por parte dos primeiros, que pertenciam a uma atmosfera mística e sutil. Enquanto estes demonstravam total antipatia à objetividade e à exatidão, os parnasianos consideravam-nos como “nefelibatas”, ou seja, como escritores que viviam nas nuvens.

Para o poeta parnasiano, de acordo com Alfredo Bosi em História concisa da literatura brasileira, “tudo pode ser dito com clareza”, porque “não há transcendência em relação às palavras”. Diferentemente disso, o simbolista Cruz e Sousa imprime à palavra a tensão entre matéria e espírito, explorando exatamente a transcendência inexistente no Parnasianismo, como se pode verificar no poema “Cárcere das almas”:

Cárcere das almas

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Embora não seja o único representante do Simbolismo, é possível dizer que Cruz e Sousa seja o principal responsável pelo seu encerramento. Quando o poeta falece, em 1898, o movimento deixa de ter a organização e a força que antes possuía, mesmo permanecendo por algum tempo graças a outros escritores. A influência simbolista, contudo, acaba manifestando-se no Modernismo, que abrange um grupo, ainda que mergulhado nas novidades modernistas, vinculado a certo espiritualismo, a exemplo de Ribeiro Couto, Cecília Meireles e Tasso da Silveira.

Cabe dizer, por fim, que Cruz e Sousa, sendo um poeta negro, sofreu bastante com o racismo e, atualmente, sofre com o possível silenciamento de seus versos e de sua história, já que é muitas vezes esquecido. Nesse sentido, o estudo do movimento literário no qual ele se insere é uma maneira de valorizá-lo e de reconhecer sua grandeza não só na literatura, mas, também, na cultura nacional.

Publicado originalmente no Ouro de Tolo.

domingo, 12 de outubro de 2014

Machado de Assis, um sujeito político

O "bruxo do Cosme Velho", denominação atribuída a Machado de Assis por Drummond, foi considerado pela crítica um homem apolítico e despreocupado com as questões sociais de seu tempo. No entanto, um escritor que produziu crônicas por quase cinquenta anos, a meu ver, não poder ser visto como escapista ou indiferente a aspectos históricos, tendo em vista que a crônica geralmente trabalha com fatos atrelados ao cotidiano.

Logo que começou a publicar seus folhetins no jornal O Espelho, gênero que mais tarde se desdobraria em crônica e em romance, ele define a seu modo o trabalho de quem escrevia nessa seção jornalística: "O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política".

As crônicas publicadas na Gazeta de Notícias sob o título de "A Semana", por exemplo, referem-se aos anos que vão de 1892 até 1897. Em época de recente instauração da República e Abolição da Escravatura, Machado denuncia a farsa do novo regime, que continuaria com a oligarquia no poder, e também aponta, embora não sem reconhecer o valor da lei assinada, a discriminação que os negros continuariam a sofrer no âmbito social.
 
Somado a isso, é constante vermos em suas crônicas comentários sobre a crise decorrente da política do Encilhamento, formulada pelo então ministro da fazenda Rui Barbosa no governo de Deodoro da Fonseca, e sobre as reformas urbanas que já causavam impacto no Rio de Janeiro.

Neste tempo de segundo turno, período propício a falar de eleições, seleciono dois trechos de crônicas machadianas que mostram a preocupação política do escritor, sempre atento ao movimento da história, e que explicitam a importância do voto por meio de uma espécie de súplica feita ao leitor, convidando-o a votar e a participar conscientemente como cidadão:

Crônica de 7 de agosto de 1892 (fragmento):

“Indiferença diz pouco em relação à causa real, que é a inércia. Inércia, eis a causa! Estudai o eleitor; em vez de andares a trocar as pernas entre três e seis horas da tarde, estudai o eleitor. Achá-lo-ei bom, honesto, desejoso da felicidade nacional. Ele enche os teatros, vai às paradas, às procissões, aos bailes, aonde quer que há pitoresco e verdadeiro gozo pessoal. Façam-me o favor de dizer que pitoresco e que espécie de gozo pessoal há em uma eleição? Sair de casa sem almoço (em domingo, note-se!), sem leitura de jornais, sem sofá ou rede, sem chambre, sem um ou dois pequerruchos, para ir votar em alguém que o represente no Congresso, não é o que vulgarmente se chama de caceteação? Que tem o eleitor com isso? Pois não há governo? O cidadão, além dos impostos, há de ser perseguido com eleições?
(…)
Que fazer? Aqui entra a minha medicação soberana. (…) O eleitor não vai à urna, a urna vai ao eleitor.”

Crônica de 30 de outubro de 1892 (fragmento):

“Hoje, domingo, não há a mesma multidão, o eleitorado é restrito; mas podia e devia haver mais calor. Trata-se não menos que de eleger o primeiro conselho municipal do Distrito Federal, que é ainda e será a capital verdadeira e histórica do Brasil. Não é eleição que apaixone, concordo; não há paixões puramente políticas. Nem paixões são cousas que se encomendem, como partidos não são cousas que se evoquem. Mas (permitam-me esta velha banalidade) há sempre a paixão do bem e do interesse público. Eia, animai-vos um pouco, se não é tarde; mas, se é tarde, guardai-vos para a primeira eleição que vier. Contanto que não quebreis urnas, nem as fecundeis — a conselho meu, — agitai-vos, meus caros eleitores, agitai-vos um tanto mais.

Por hoje, leitor amigo, vai tranquilamente dar o teu voto. Vai, anda, vai escolher os intendentes que devem representar-nos e defender os interesses comuns da nossa cidade.”

Publicado originalmente no Ouro de Tolo.