sábado, 21 de dezembro de 2013

Olavo Bilac e a Festa da Penha

No mesmo momento em que eu estudava a poesia de Olavo Bilac, comecei, coincidentemente, a leitura de A subversão pelo riso, um estudo excelente de Rachel Sohiet sobre as festas populares - com foco no carnaval carioca - que abarca o período da Belle Époque até o tempo de Vargas. Algumas passagens desse livro mostram que o poeta parnasiano, assim como outros intelectuais da época, enxergava na Festa da Penha o atraso social de uma cidade inspirada na civilização e no progresso. Ele e os demais não sabiam, porém, que atrasado mesmo, nessa história toda, era o pensamento que difundiam.

Com a presença de ranchos, blocos, cordões e rodas de samba concentradas ao redor das barracas, o povo, que chegava ao bairro por meio de cavalos, carros de boi e, posteriormente, trem, fazia um festejo bonito para Nossa Senhora da Penha. A elite, por sua vez, demonstrando o desprezo por quem não acrescentaria nada à nova roupagem da cidade, calcada no modelo parisiense, considerava tudo aquilo uma perturbação e não media esforços para tentar acabar com a Festa.

Ao publicar suas opiniões, Olavo Bilac reproduzia os fatos a partir de um viés preconceituoso, dizendo tratar-se da “ressurreição da barbária” e propondo a proibição de tal manifestação. Seus comentários atacavam aqueles que, sabiamente, não estavam nem aí para a preocupação dos republicanos em realizar uma reforma excludente. Para o poeta e jornalista, "todo esse espetáculo de desvairada e bruta desordem ainda se pode compreender no velho Rio de Janeiro de ruas tortas, de betesgas escuras, de becos sórdidos", o que seria impensável no Rio de Janeiro mais atual, onde "o espetáculo choca e revolta como um disparate". Essa perseguição aos romeiros, vale ressaltar, não acontecia só pela denúncia nos jornais, mas também pela repressão policial que se intensificava cada vez mais. Somada a ela, havia a presença do Exército, da Marinha e do Corpo de Bombeiros, todos utilizados para manter a ordem que muitas vezes era por eles mesmos rechaçada. No entanto, ainda que fossem alvo de tantos posicionamentos contrários, sem esquecer-se da proibição de instrumentos musicais e da oposição da Igreja, os populares resistiam e insistiam, para o bem de todos nós, em dar continuidade às suas valiosas e tradicionais manifestações.

Dessa forma, mostraram a resistência da cultura popular por meio de composições que ironizavam as proibições às quais eram submetidos e da persistência naquilo que acreditavam e fazia parte dos seus encantos. Isso acontecia, por exemplo, quando o canto era entoado e as palmas o acompanhavam, já que não podiam ser utilizados os instrumentos de percussão. A partir daí, a oposição, mesmo com todo aparato para refrear o acontecimento, era enfraquecida pelo público da Festa da Penha, que desconhecia resignação.

Depois das minhas leituras, portanto, constatei o seguinte: as obras literárias de Olavo Bilac podem, certamente, receber a admiração das pessoas, mas algumas de suas convicções sociais, por outro lado, não precisam obter a mesma relevância. O que possui importância são as tias baianas das barracas, a capoeira, a festa, o batuque, os ranchos, as rodas de samba e a poesia vista nisso tudo, ainda que esta – quanta ironia! – não tenha sido percebida por um de nossos poetas.